Heráclito disse ─ e já repeti isto em demasia ─ que ninguém desce duas vezes o mesmo rio. Ninguém desce duas vezes o mesmo rio porque suas águas mudam. Mas o mais terrível é que nós não somos menos fluidos do que o rio. Cada vez que lemos um livro, o livro mudou, a conotação das palavras é outra. Ademais, os livros estão impregnados de passado.
... Hamlet não é exatamente o Hamlet que Shakespeare imaginou em princípios do século XVII. Hamlet é o Hamlet de Coleridge, de Goethe e de Bradley. Hamlet renasceu. O mesmo ocorre com o Dom Quixote. Da mesma forma com Lugones e Martinez Estrada, já que Martin Fierro não é mais o mesmo. Os leitores foram enriquecendo o livro.
Se lemos um livro antigo é como se lêssemos durante todo o tempo que transcorreu entre o dia em que foi escrito e nós. Por isso convém manter o culto ao livro. O livro pode conter muitos erros, podemos não concordar com as opiniões expendidas pelo autor, mas, ainda assim, ele conserva algo sagrado, algo divino, não com um tipo de respeito supersticioso, mas com o desejo de encontrar felicidade, de encontrar sabedoria.”
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