quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Entrevista com Pedro Bandeira

O escritor infanto-juvenil Pedro Bandeira esmiúça os simbolismos dos contos de fadas. Autor de 77 livros, ele explica qual o segredo para falar com os leitores infantis.



14 Jul 2007 - 16h24min



Princesa Branca, Cinderela, Rapunzel, Bela Adormecida, Rosa Encantado Della Moura Torta e Chapeuzinho Vermelho invadem a casa de um autor de livros para ele escrever a história da Princesa Feiurinha, desaparecida havia algum tempo. Se o autor não encontrasse Feiurinha, elas também poderiam desaparecer um dia, porque histórias não escritas, não sobrevivem com o passar do tempo. E pior: a princesa Feiurinha corre perigo, pode morrer antes de viver feliz para sempre!
Essa história garantiu a Pedro Bandeira o Prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil, em 1986, com O Fantástico Mistério de Feiurinha. O autor brasileiro infanto-juvenil que até 2006 vendeu 20 milhões de exemplares, conversou com O POVO sobre a recriação, releitura e interpretação dos contos de fadas.
Pedro Bandeira tem 77 livros publicados e diz que a fonte de todas as histórias infantis são os contos de fadas. Aqueles que se ouvem, ainda, no colo da mãe. Em conversa por telefone, ele emenda uma história na outra. Fala sobre as versões originais dos contos de fadas, seus simbolismos e critica ferozmente o politicamente correto de releituras sem dramas.
Na entrevista a seguir ele volta à infância de todas as gerações que vieram depois de Perrault. Diz que a literatura infantil, assim como os contos clássicos, são os degraus que a criança deve subir para enfrentar a vida. Não enxerga moral da história nos contos de fadas, mas esmiúça seus simbolismos. E afirma: "os contos de fadas são insubstituíveis na cultura". (Paula Lima)


O POVO - Como você utiliza os contos de fadas nas suas obras?
Pedro Bandeira - O conto de fadas para mim é muito importante, eu acho que nasci no colo da minha mãe, ouvindo conto de fadas. Eu me lembro bem ela me contando e, talvez, nesse momento eu já tenha começado a me tornar um escritor para crianças. Até hoje sou muito apaixonado por contos de fadas, mais tarde quando me profissionalizei e até me aprofundei nisso, continuo achando histórias muito importantes para a formação do emocional de qualquer criança.

OP - Quais por exemplo?
Bandeira - A ameaça do estupro de Chapeuzinho Vermelho, o assédio sexual que ela sofre. A inveja da beleza em Branca de Neve. O desejo de ter a vida solucionada como no caso de Cinderela, coisas desse tipo. Tanto que eles estão presentes até hoje e também na minha obra, como no O Fantástico Mistério de Feiurinha, eu peguei as réplicas de todas as heroínas que eu amei na infância e as usei como personagens da história. Tem a Rosa Flor e a Moura Torta, que é uma fábula muito bonita, mas pouco conhecida no Brasil, cujo personagem eu usei na Feiurinha, e aos poucos recebia muitas cartas até de professoras que desconheciam a história. Não é uma história muito famosa, até porque não fizeram nenhum desenho animado com ela.


OP - Como você avalia a releitura que o cinema e os desenhos animados fazem dos contos de fadas?
Bandeira - Olha, os contos de fadas são originalmente histórias que vieram da tradição oral, muitos deles muito antigos. João e Maria, que é a história que você deve conhecer, vem desde a Idade da Pedra, onde aquelas tribos às vezes com fome, momento de seca, de escassez de caça, abandonavam as crianças, os bebês e os velhos, por não poder alimentá-los. Então, os pais abandonam João e Maria por pobreza. A história é muito antiga, sobrevive a milênios, é provável. E foram recolhidas por pessoas que não eram escritores. A começar por Perrault depois pelos irmãos Grimm, a intenção deles era de futuristas, de ficcionarem histórias alemãs, para tornarem isso conhecido. Eles não tinham a pretensão de se tornarem escritores, o próprio Andersen tem muitas histórias originais, mas tem histórias recolhidas do folclore. Em todos esses casos, esses textos não são mais bons hoje em dia. Eles não podem mais ser lidos pelas crianças, tal como foram escritos. Há exageros, coisas que passaram a crueldade demais. Então é necessário que a espinha dorsal da história seja recontada dessa vez literariamente, por outras pessoas. Você não lê a Chapeuzinho Vermelho do Perrault, e sim a adaptação do Pedro Bandeira, que tem humor. O cinema e o grande criador que é o Walt Disney, fez trabalhos maravilhosos. Ele podia não ser uma boa pessoa, mas foi um artista fabuloso. A adaptação dele de Branca de Neve é brilhante, respeita a todas as variantes e um filme em 1937. Hoje em dia você assiste e não tem nenhum desenho animado tão bom quanto é Branca de Neve. Isso foi muito bom, fez as crianças conhecerem a história. Temos mesmo que adaptá-las para a televisão, o cinema. As histórias são imortais, trazem lições emocionais que ajudam muito a criança crescer emocionalmente a se tornar mais segura. Os contos de fadas são realmente insubstituíveis na cultura.


OP - Essas lições emocionais dos contos de fadas, são a moral da história? Elas existem de que maneira na literatura infantil?
Bandeira - Os contos de fadas não têm nenhuma moralidade. Não são morais, são histórias mágicas fantasiosas em que se encontram muitos simbolismos. A rainha ser uma mulher bonita que se olha no espelho que só diz a verdade. Eu não conheço espelho que minta, a não ser o meu espelho que toda vez que eu vou fazer a barba de manhã tem um velho olhando pra mim. Desconfio até que esse velho anda dormindo com a minha mulher. Então a rainha é a mulher mais bonita do castelo e há uma criança nesse castelo, que começa a crescer. E o espelho diz a ela: você já não é a mais bonita, é a Branca de Neve. Então é a inveja da beleza, porque a rainha envelhece e manda matar a Branca de Neve. É um lindo símbolo da inveja da beleza. Hoje em dia as mulheres mais velhas não aceitam mais a idade, colocam botox, fazem plásticas. Isto é uma coisa eterna na humanidade, muito mais importante hoje em dia, porque a vida é mais longa. Os contos de fadas têm um símbolo, não uma moral da história. E eu quando as adapto jamais penso em fazer isso. Mas mantenho aquelas variantes que eu sei que são enriquecedoras para a maturação emocional de quem as ouve e quem as lê. A moral da história é a coisa mais idiota, e se você vê a literatura infantil brasileira, nenhum deles se preocupa com tal coisa.


OP - Mas a história da Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, tem a lição de que a menina não deve desobedecer a mãe e ir pelo caminho do bosque. Isso não é um tipo de moral da história? Bandeira - Sim, mas veja: é uma menina que ganha uma capinha vermelha, é o símbolo da menarca, ela está crescendo, se tornando adulta, está procurando seus próprios caminhos, não os que os adultos indicam. Sem ainda estar preparada para as ameaças desses novos caminhos. No momento em que ela se torna mulher, e essa capinha vermelha é interpretada por muitos psicólogos e psicanalistas como um símbolo da primeira menstruação, a ameaça do lobo não é um animal, ele é um homem charmoso, enrolador. Tanto que em Perrault, ele manda a Chapeuzinho Vermelho tirar a roupa, deitar-se na cama com ele e há o sexo. Hoje em dia a gente tira tudo isso, até porque antigamente, essas histórias não eram contadas para crianças, era a literatura oral para quando anoitecia na Europa fria. As origens são as mais diversas. Veja, por exemplo, a origem de Cinderela. É muito provável que tenha vindo do oriente, da China. A beleza da mulher é medida pela beleza dos pés. As mulheres bonitas são as que têm os pés pequenos. É por isso que o sapatinho de cristal só serve no pé da Cinderela, que é a mais bonita de todas. Tanto que na história original, as irmãs cortam os dedos do pé e o príncipe desconfia quando vê manchas de sangue. Veja que coisa maluca. Hoje em dia, não se faz mais isso, o sapato não servir é apenas mais um lance mágico da história. Outro exemplo, a história da baratinha, provavelmente, vem da Índia. Onde os animais, tanto o boi, como o burro, como o bode e o cão que querem casar com a Baratinha, representam as quatro castas principais da Índia. E o rato é o símbolo do Párea, a última casta social da Índia, uma classe com a qual você não pode se relacionar. Ela erra ao casar com o rato, e isso era contado no passado para mostrar para as menininhas que elas não devem dar bola para os páreas. Uma história extremamente classista, hoje em dia indesejável, mas que sobreviveu pela graça.


OP - Até que ponto esses simbolismos podem ser prejudiciais às crianças? Porque a princesa é sempre branca, bonita. O príncipe vai sempre salvar a princesa, existe a eterna espera por um príncipe encantado. Isso realmente faz mal?

Bandeira - Tem uma história muito interessante. Eu tenho um livro chamado A Marca de uma Lágrima, que é uma história de amor de uma menina de 14 anos. E eu recebo muitas cartas de leitores, e recebi uma de uma menina de Brasília que dizia que gostava muito do livro e perguntava porque eu não fazia personagens negras, que ela era negra. Eu respondi pra ela, que eu não disse que cor era a Isabel, personagem do livro. Você a leu como branca, ela pode ser japonesa, qualquer coisa. Eu não descrevo meus personagens, eles são pessoas, são seres humanos que têm emoções. Essa menina tão acostumada com o enorme preconceito e exclusão não consegue ver a heroína como uma pessoa negra. Para mim, a Isabel é negra, por que não? O fato das pessoas serem brancas é o problema da Walt Disney. Essas histórias são européias, o negro não era tão presente. No livro, a pessoa lê o personagem como quer, mas os ilustradores sempre fazem a Xuxa como personagem de todas as histórias. Por isso, não gosto que ilustrem minhas histórias. Só o cenário, alguma sugestão. Porque eu gosto que o meu leitor imagine, e pode até se colocar no lugar dele, esse sou eu.

OP - As crianças e os jovens mergulham tão profundamente no universo literário?
Bandeira - Eu tenho uns livros famosos que são com os meninos heróis que chamam os Karas, que são a Droga da Obediência, a Droga do Amor, e volta e meia eu recebo cartas de crianças dizendo: como é o nome mesmo do Chumbinho? Se o menina chama Rogério, eu digo é Rogério e pronto.Que idade ele tem? Eu falo: exatamente a sua (risos).

OP - Qual a melhor maneira de você iniciar as crianças na literatura?
Bandeira - É no colo da mamãe com ela contando história. Assim começa a literatura, com o papai folheando livrinho enquanto a criança não sabe ler, mostrando a figura. O ideal é que seja apresentado pela família, o problema da educação não compete à escola, e sim à família. A escola é um coadjuvante que entra depois e meio tarde, para influenciar a criança. Educação vem de família, em ler livrinho, levar para passear no museu, ouvir um concerto. Isso é uma função da família, hoje em dia, papai e mamãe trabalham muito e acabam deixando as crianças serem educadas pela televisão. Não tenho nada contra a televisão, acontece que ela não pode colocar a criança no colo, sabe? Nem enxuga a lágrima dela para explicar melhor determinada coisa. A mamãe pode, ou o papai, a vovó, a madrinha. Isso é o que sempre falo nas minhas palestras pelo Brasil inteiro. A educação do seu filho é desde a hora que ele nasce.

OP - Existem alguns estudiosos que dizem que certos contos de fadas traumatizam a criança, que músicas como Boi da Cara Preta não devem ser cantadas para ninar...
Bandeira - Essa é uma praga. Nós conseguimos, através da vacina, eliminar a varíola do Brasil, mas o politicamente correto, que é pior que a varíola, é mais grave que a Aids, ainda não. Essa é uma teoria maldita, estúpida, idiota, não existe coisa mais cretina. Tem a música Atirei o pau no gato, e tem uma versão que diz "não atire o pau no gato". É uma besteira! Nenhuma criança que ouve essa música, vai atirar pau nos gatos. Não acontece. Você não pode mexer, a criança tem que passar por isso! Acontece com você de assistir a um filme que te deixa arrepiada? Isso é função da arte. A arte de se apresentar coisas dramáticas é para você amadurecer e compreender aquelas coisas dramáticas. Desde que você nasce. A história do João e Maria é importante para que ela saiba que não vai ser abandonada pelo papai e pela mamãe. E poder raciocinar sobre isso. Daí dizer que traumatiza? Coisa nenhuma, esclarece e amadurece. Eu acho isso uma coisa que me arrepia os cabelos, você vai manter a criança como uma idiota que não sabe de nada do mundo. São as historinhas que traumatizam ou é a própria vida nesse Brasil tão violento? Porque ela vê na televisão barbaridades, assiste a novelas. E aí vai dizer que são os contos de fadas que são culpados? Que são as musiquinhas? Eu sou cheio de netos que estão crescendo ouvindo essas histórias de ninar e eles adoram!

OP - Os livros infanto-juvenis que o senhor escreve devem servir de degrau para os clássicos da literatura adulta?
Bandeira - Devem servir de degrau para a vida. Os livros infantis são a preparação do leitor, aprender a ler tem que ter livro para treinar a leitura, e se você não passar por esses livros é muito difícil você começar por Badaullaire ou Shakespeare. Então, nós os ecritores infantis, somos o degrau para que a criança comece a subir para um dia chegar ao que quiser. Se não existir essa literatura como é que ela vai chegar lá? Para aprender a gostar de ler é desde pequenininha, tem que ser livros sobre o que você goste, adequados. Você não vai dar Machado de Assis ou Lima Barreto para uma criança de oito anos! Precisa ter a Ruth Rocha, o Pedro Bandeira, o Ziraldo, Ana Maria Machado. Existem livros nossos que são clássicos, publicados há 20 anos que todo mundo lê até hoje.

OP - Qual a fórmula da estrutura narrativa para esse tipo de literatura? Monteiro Lobato usa o olhar da Narizinho, que é uma criança para contar as aventuras no Sítio...
Bandeira - Você pegou: é a direção do olhar. Essa é uma idéia minha, que é o seguinte para você e mergulhar naquilo com mais prazer é bom você se identificar com o personagem. Para tanto é bom que o personagem tenha a sua idade, viva emoções que você está sentindo. Então quando Lobato faz as protagonistas da história serem crianças, os velhos só atrapalham os meninos, a Narizinho e o Pedrinho saem por aí nas suas aventuras e resolvem os problemas sem precisar do auxílio dos adultos. Então isso dá uma grande força ao leitor, ele sente que é criança, mas pode. Sente que tem poder valorizado. Se você pegar meus livros, os adultos não resolvem os problemas apresentados, são os personagens que têm a idade de quem está lendo. Eu procuro fazer assim, porque é o meu leitor que está se tornando adulto e ele tem que sentir que ele pode, que o mundo precisa da coragem dele.
Essa entrevista foi enviada pela Lilian no grupo Professores Solidários

2 comentários:

Regina disse...

Obrigado por dividir esta ótima entrevista conosco. Amei!

Prô Rirela disse...

Que bom! Volte sempre Regina!