São as manifestações de criatividade artística do gosto popular. Na maioria dos casos trata-se de trabalhos anônimos, repetidos inúmeras vezes, copiados e adaptados ao sabor das conveniências e da inspiração do momento.
Na linguagem e na literatura:
Na literatura folclórica podemos destacar a literatura escrita e a literatura oral. Esta última teve o seu nome dado por Sebillot, para designar as manifestações culturais e de fundo literário, divulgadas oralmente.
1 - Adivinhas
São uma forma lúdica de enigmas populares, na qual a enunciação da idéia ou fato está envolta numa alegoria a fim de dificultar a descoberta. Elas são tão velhas quanto a própria história, pois nas civilizações antigas os deuses falavam de uma forma um tanto obscura e os homens tinham de interpretar suas palavras. Com o tempo os próprios homens foram formando suas charadas, e, no Brasil, a fusão das raças branca, negra e indígena acabou por formar um verdadeiro arsenal de perguntinhas. As adivinhas, não raro, se apresentam em forma metrificada, o que facilita a sua decoração e sua transmissão. Elas são mais usadas no meio rural do que nos centros urbanos e industrializados, porém atualmente a televisão tem dado um grande apoio para a sua divulgação.
As adivinhas podem se classificar-se em:
Comuns: Por que o galo quando canta fecha os olhos? (porque sabe a música de cor). Qual a cabeça que não tem medo de pancada? (cabeça do prego).
Comuns: Por que o galo quando canta fecha os olhos? (porque sabe a música de cor). Qual a cabeça que não tem medo de pancada? (cabeça do prego).
Religiosas: O que é que o rei vê uma vez, o homem toda vez e Deus nenhuma vez? (o seu semelhante).
Existem ainda as maliciosas ou de goga, que muitas vezes parecem ser fortes, devido à sua enunciação, mas são completamente inocentes, ex: O que é que o homem tem atrás e a mulher na frente? (a letra M). Onde é o lugar que lhe coça mais o corpo? (as unhas. Não é com elas que se coça?). Entre as versificadas encontramos:
A mãe é verde
A filha encarnada.
A mãe é mansa
A filha é danada. (pimenta)
ou
Responda depressa
Não seja bocó.
Está no pomar
E no seu paletó. (manga).
Muito ligadas às adivinhas estão as perguntas enigmáticas, de fácil solução, desde que se esteja atento. Ex: Com quem se parece o burro? – Com o outro burro. Quem é que tira o que Deus dá? – A cachaça; tira o juízo do homem.
2 - Parlendas
É uma arrumação de palavras sem acompanhamento de melodia, mas às vezes rimada, obedecendo a um ritmo que a própria metrificação lhe empresta. A finalidade é entreter a criança, ensinando-lhe algo. No interior, aí pela noitinha, naquela hora conhecida como “boca da noite”, as mulheres costumam brincar com seus filhos ensinando-lhes parlendas, brinquedos e trava-línguas.
Uma das mais comuns é a elas ensinam aos filhos apontando-lhes os dedinhos da mão –
Minguinho,
seu vizinho,
pai de todos,
fura bolo e
mata piolho.
Quando os ensina a bater palmas ou balança a rede, o berço ou a cadeira, diz:
Palma, palminha,
Palminha de Guiné
Pra quando papai vié,
Mamãe dá a papinha,
Vovó bate cipó,
Na bundinha do nenê.
Outras variantes são:
Bão, babalão,
Senhor Capitão,
Espada na cinta,
Ginete na mão.
Em terra de mouro
Morreu seu irmão,
Cozido e assado
No seu caldeirão.
0u
Bão-balalão!
Senhor capitão!
Em terras de mouro
Morreu meu irmão,
Cozido e assado
Em um caldeirão;
Eu vi uma velha
Com um prato na mão,
Eu dei-lhe uma tapa
Ela, papo... no chão!
Hoje é domingo
Pé de cachimbo
Cachimbo é de barro
Bate no jarro
O jarro é de ouro
Bate no touro
O touro é valente
Bate na gente
A gente é fraco
Cai no buraco
O buraco é fundo
Acabou-se o mundo.
0u
Amanhã é domingo,
Pé de cachimbo;
Galo monteiro
Pisou na areia
A areia é fina
Que deu no sino
O sino é de prata
Que deu na barata
A barata é de ouro
Que deu no besouro
O besouro é valente
Que deu no tenente
O tenente é mofino
Que deu no menino...
Dinglin... dingues,
Maria Pires?
Estou fazendo papa!
Para quem
Para João Manco.
Quem o mancou?
Foi a pedra.
Cadê a pedra?
Está no mato.
Cadê o mato?
O fogo queimou.
Cadê o fogo?
A água apagou.
Cadê a água?
O boi bebeu.
Cadê o boi?
Foi buscar milho.
Para quem?
Para a galinha.
Cadê a galinha?
Está “pondo”.
Cadê o ovo?
O padre bebeu.
Cadê o padre?
Foi dizer a missa.
Cadê a missa?
Já se acabou!
0u
Cadê o toicinho daqui?
O gato comeu.
Cadê o gato?
Foi pro mato.
Cadê o mato?
O fogo queimou.
Cadê o fogo?
A água apagou.
Cadê a água?
O boi bebeu.
Cadê o boi?
Foi amassar trigo.
Cadê o trigo?
A galinha espalhou.
Cadê a galinha?
Foi botar ovo.
Cadê o ovo?
O padre bebeu.
Cadê o padre?
Foi rezar a missa.
Cadê a missa?
Já se acabou!
Os portugueses denominam as parlendas cantilenas ou lengalengas. Na literatura oral é um dos entendimentos iniciais para a criança e uma das fórmulas verbais que ficam, indeléveis, na memória adulta.
3 - Apelidos
São designações que se dão a pessoas, animais ou coisas, até mesmo lugares, por vezes definindo certa particularidade ou com objetivo de crítica. Podem ser dados em conseqüência de efeitos físicos, profissões e mesmo qualidade que as pessoas possuem ou que se desejaria que possuíssem.
Os apelidos podem ser coletivos ou individuais.
Coletivos - são aqueles dados às torcidas de certos times de futebol, às cidades ou aos moradores de certa região. Ex.: capixaba, gaúcho, barriga-verde; papa-gerimum, etc.
Os Individuais podem ser:
pela profissão – João Pedreiro, Mane Sacristão, Chico Ferreiro, etc.;
por defeitos físicos – Pedro Cego, João Saci (porque tem uma perna só);
outros - Barata Descascada (porque é muito branca), etc.
As ruas dos bairros também recebem alcunhas, como: Rua do Cemitério, Rua da Praia, Rua do Farol, Beco do Barbeiro, etc.
4 - Poesias
Ela se manifesta de várias maneiras, nas quadrinhas, nas serenatas, nos romances, nos desafios, nas modas de viola, nas cantigas folclóricas, etc., e brota do próprio povo, refletindo a mentalidade coletiva de nosso homem da roça, seu modo de ser, suas lamentações, misturadas com o cômico e o burlesco.
A vida de gente pobre
Padece, não tem artura
A vida de gente rica
Arregala e tem fartura.
O rico levanta cedo
O rico levanta cedo
Toma café com mistura
O pobre bebe garapa
Quase sempre sem doçura.
O rico qué comê pexe
O rico qué comê pexe
No mercado ele procura
O pobre agarra a vara
E sai na noite às escura.
A perna de moça rica
A perna de moça rica
É bonita e tem grossura
Cambito de moça pobre
Inda perde pra saracura.
Quando gente pobre morre
Quando gente pobre morre
Vai gozá lá nas artura
O rico vai pros quinto
Fervendo na fervedura.
Quadrinhas A poesia popular é feita geralmente em quadrinhas ou sextilhas, entretanto, as primeiras são mais comuns, talvez pela simplicidade de sua forma. São compostas de quatro versos de sete sílabas com acento na terceira e na última, duas rimas geralmente perfeitas, às vezes apenas toante no segundo e quarto verso:
Esta noite tive um sonho,
Quadrinhas A poesia popular é feita geralmente em quadrinhas ou sextilhas, entretanto, as primeiras são mais comuns, talvez pela simplicidade de sua forma. São compostas de quatro versos de sete sílabas com acento na terceira e na última, duas rimas geralmente perfeitas, às vezes apenas toante no segundo e quarto verso:
Esta noite tive um sonho,
Mas que sonho atrevido
Sonhei que era babado
Da barra do teu vestido.
ou
Atirei um limão n’água
De pesado foi ao fundo
Os peixinhos responderam
Viva Dom Pedro Segundo.
Aparecem também algumas quadrinhas, geralmente satíricas e com desfecho inesperado, que possuem três versos de sete sílabas cada um e o último de quatro, que são denominados pé quebrado, pois chamam o verso de “pé”.
Quem quer bem dorme na rua
Na porta de seu amor
Das estrelas faz anzol
E pipoca.
ou
Subi num pé de canela
Pra ver você passar
Você não passou
Eu desci.
Sextilhas A sextilha de sete sílabas, de rimas simples, é muito, é muito usada na literatura folclórica oral, principalmente nos desafios, nos cantos de folguedos populares, assim como na literatura de cordel, que é escrita:
Sou filha de Maceió
Capital alagoana
Me chamo Chica Esporão
Meu nome ninguém engana
Pra vencer-me na cantiga
Ou canta muito ou se dana.
A-B-C Forma antiga de exprimir conceitos, doutrinas, história, biografia e até amor. É um processo mnemônico para facilitar a decoração. Caracteriza-se por apresentar no início das estrofes ou versos letras do alfabeto em ordem natural, terminado por vezes com referência ao “til”.
Ave Maria / Bela e bondosa / Cheia de graça / Divina rosa / És uma vida / Fulgente luz / Ganhaste o céu / Honras Jesus / Imenso amor / Jamais sem fim / Kirie o teu filho / Louvou-te assim / Mãe da alegria / Nos vendavais / Oras Maria / Pelos mortais / Quando Senhora / Rezo contrito / Sinto nessa hora / Tudo infinito / Um teu perdão / Virá por fim / X de mistério / Zelar por mim.
ou
Com A escrevo amor
Com B escrevo beijo
Com C escrevo castelo
Castelo do meu desejo.
5 - Correio Elegante
Fazem parte da literatura escrita o Correio Elegante, quadrinhas enviadas pelos namorados nas festas regionais, principalmente nas festa juninas, e os Acrósticos, que são poesias compostas de estrofes, cujas primeiras letras dos versos formam um nome uma palavra.
Correio Elegante ou Sentimental
Se jogares fora esta carta, me amas; Se rasgares, me a adoras; Se guardares, por mim choras; Se queimares, queres casar comigo.
Acróstico dedicado ao Prof. Alceu Maynard de Araújo
Amigo doutor Alceu Lamento não demorar Consigo mais palestrar Eu lhe explico amigo meu Uma viagem vou dar.
Pão-por-Deus São bilhetes enviados a pessoas de maiores posses, fazendo pedidos. São muito usados no Nordeste. Como os pedintes são geralmente analfabetos, eles solicitam a um companheiro letrado e que tenha boa letra para escrever o bilhete. Este pode ser escrito em versos e depois é bem dobrado, colocado em um envelope branco, sem colar, e muitas vezes o portador é próprio autor intelectual:
Lá vai o meu coração Com grande necessidade, Vai pedir-te que me mande Um pão-por-Deus da cidade.
Nota: Outra forma de Pão-por-Deus são os bilhetes que crianças distribuem nos transportes coletivos. Nos ônibus e metrô de São Paulo as crianças circulam entre os passageiros, sem dizer uma palavra, deixam os bilhetes nos assentos ou entregam diretamente e depois passam recolhendo com ou sem os donativos: Ex.: “Tenho 6 irmãos, minha mãe está doente, meu pai está desempregado, precisamos comprar remédios e comida. É melhor pedir do que roubar”.
6 - Romances
São estórias contadas. Muitas são tradicionais, como a “História da Imperatriz Porcina”, “O Conde Alardo”, “Íria”, etc. Os assuntos são os mais variados e incluem façanhas de vaqueiros e animais famosos. São contados em prosa e recebem o nome de “Xácaras” e nos vieram de Portugal. Entre eles podemos colocar também: “A Princesa Magalona” e “Carlos Magno e os Doze Pares de França”, transcritos em folhetos, talvez as estórias mais conhecidas no interior do Brasil.
7 - Fórmulas
São fórmulas usadas pelas crianças para brincar de pique e outros brinquedos e a fim de evitar contendas e descontentamentos, sorteando o pegador, que é posto menos desejado num jogo infantil.
Ex.: Uma, duna, tena, catena, bico de pena, esta sim, esta não. Uni duni tê, salemê mingüê, o sorvete colorê, uni duni tê.
Anabu, anabu Quem sai és tu Porque és filho de tatu Vais casar com urubu.
ou
Uma pulga na balança Deu um pulo e foi à França Cavalinhos a correr Menininhas a brincar Vamos ver quem vai pegar.
Anabu, anabu Quem sai és tu Porque és filho de tatu Vais casar com urubu.
ou
Uma pulga na balança Deu um pulo e foi à França Cavalinhos a correr Menininhas a brincar Vamos ver quem vai pegar.
Estas são mais usadas pelas meninas, pois os garotos geralmente preferem o milenar “par ou impar”.
Fórmulas de pular corda ou jogar bola
São palavreado usados pelas crianças quando estão brincando. De jogar bola a mais conhecida é: Ordem / seu lugar / sem rir / sem falar / de um pé / ao outro, etc.
Para pular corda usam:
Ai, ai, Que tens Saudades De quem Da açucena De meu bem.
ou
Salada Saladinha Bem temperada Azeite, vinagre, Sal e mais nada.
Ai, ai, Que tens Saudades De quem Da açucena De meu bem.
ou
Salada Saladinha Bem temperada Azeite, vinagre, Sal e mais nada.
8 - Trava-línguas
São problemas orais de difícil enunciação de palavras, que surgem em certas parlendas. Podem ser pequenos relatos ou formas versificadas, que apresentam no seu transcurso palavras de difícil articulação. São formas lúdicas que o professor e o educador poderão usar para melhorar a dicção de seus alunos. Os trava-línguas são muito usados pelos fonoaudiólogos e logopedistas.
Ex.: Toco preto, Porco crespo, repetido rapidamente. Pia o pinto a pipa pinga.
Pardal pardo Por que palras? Palro sempre e palrarei Porque sou Pardal pardo Palrador del-rei.
ou
Num ninho de mafagafos Tinham seis mafagafinhos Quem os desmafagafizar Bom desmafagafizador será.
Pardal pardo Por que palras? Palro sempre e palrarei Porque sou Pardal pardo Palrador del-rei.
ou
Num ninho de mafagafos Tinham seis mafagafinhos Quem os desmafagafizar Bom desmafagafizador será.
9 - Literatura de cordel
Nas feiras do Nordeste é muito comum encontrar-se bancas onde são vendidos folhetos que atraem a atenção de todos. É a denominada literatura de cordel. Estes folhetos, escritos em versos (sextilhas, septilhas ou décimas), tratam dos assuntos mais variados. Há os “romances”, que contam estórias com a intenção de entreter; os de “opinião”, que criticam fatos ou pessoas. É muito comum também encontrar-se alguns que reproduzem desafios ou contam as aventuras de Lampião ou a vida do Padre Cícero. Cordel é também o jornal nordestino. Os desastres, as inundações, as secas, os cangaceiros, as reviravoltas políticas, alimentam o caráter jornalístico dessa produção, que chega a centenas de títulos por ano. O bom crime é a alegria do poeta, dizem os cordelistas. Quando Getúlio Vargas morreu, mal ouviu a notícia pelo rádio, um dos poetas de cordel começou a escrever: “A lamentável morte de Getúlio Vargas”. Entregou os originais ao meio dia e à tarde recebeu os primeiros exemplares. Vendeu 70.000 em 48 horas. Outro assunto que teve grande repercussão foi “O trágico romance de Doca e Ângela Diniz”. A “Carta do Satanás a Roberto Carlos” também teve grande sucesso, inspirado na canção do “Rei” que dizia: “E que tudo mais vá pro inferno”.
O nome Literatura de cordel foi dado a estes livretos porque eles são vendidos nas feiras e nas portas de lojas, encarreirados em cordéis e presos por prendedores de roupas. Os poetas, autores dessa literatura, são gente tão simples como as pessoas que compram estes livretos. Sua linguagem é a linguagem do povo, por isso despertam tanto interesse. Eles se referem a Deus e ao Diabo, aos heróis do sertão como Jerônimo e Antônio Conselheiro, aos animais consagrados pelo cultura popular como o boi, a cobra e ouros.
Um dos mais famosos poetas de cordel é Rodolfo Cavalcanti, que já escreveu sobre todos os assuntos, inclusive sobre “Os cabeludos de ontem e os cabeludos de hoje”, com interessante crítica a respeito deste tema. Ele disse que esta literatura começou nos idos de 1910, quando os trovadores foram registrando no papel as pelejas dos cantadores e repentistas e vendendo nas feiras populares. Outros cordelistas famosos são: João José da Silva, Abrão Batista, Manuel Caboclo da Silva, Severino Milanês e muitos outros, que com sua poesia animam a vida da população nordestina.
É difícil calcular a importância da literatura de cordel na existência do nordestino. É muito comum as pessoas se reunirem em torno de alguém que saiba ler, para ouvir e até decorar os versos dos folhetos. É provável que grande parte das informações e conhecimentos chegue ao poço do interior através da literatura de cordel. A imigração nordestina espalhou o interesse por estes folhetos por todo o Brasil.
Além da parte literária, o cordel é interessante pelas figuras que apresenta, feitas em xilogravuras, mostrando toda a ingenuidade da arte popular. Aparecem nas gravuras: monstros, o diabo e os elementos que rodeiam os artesãos do cajá, madeira mole que facilita a execução das figuras. São eles os cantadores, vaqueiros, bois, aves e animais diversos. Surgem também figuras humanas, geralmente relacionadas com o assunto dos folhetos.
O cordel sobreviveu ao radinho de pilha e ao avanço da televisão no agreste. Esse jornal do sertão transmitido de pai a filho, de geração a geração, essa literatura popular fonte de inspiração de um Ariano Suassuna e um Guimarães Rosa, resistiu a tudo e a todos os progressos da tecnologia moderna. O cordel sobrevive até na São Paulo cosmopolita, em Osasco e no ABC, regiões onde existe a maior população nordestina do Brasil, depois do Nordeste.
A literatura de cordel, tanto pela sua parte poética, como pela arte da xilogravura, constitui uma das mais interessantes páginas do folclore brasileiro.
O nome Literatura de cordel foi dado a estes livretos porque eles são vendidos nas feiras e nas portas de lojas, encarreirados em cordéis e presos por prendedores de roupas. Os poetas, autores dessa literatura, são gente tão simples como as pessoas que compram estes livretos. Sua linguagem é a linguagem do povo, por isso despertam tanto interesse. Eles se referem a Deus e ao Diabo, aos heróis do sertão como Jerônimo e Antônio Conselheiro, aos animais consagrados pelo cultura popular como o boi, a cobra e ouros.
Um dos mais famosos poetas de cordel é Rodolfo Cavalcanti, que já escreveu sobre todos os assuntos, inclusive sobre “Os cabeludos de ontem e os cabeludos de hoje”, com interessante crítica a respeito deste tema. Ele disse que esta literatura começou nos idos de 1910, quando os trovadores foram registrando no papel as pelejas dos cantadores e repentistas e vendendo nas feiras populares. Outros cordelistas famosos são: João José da Silva, Abrão Batista, Manuel Caboclo da Silva, Severino Milanês e muitos outros, que com sua poesia animam a vida da população nordestina.
É difícil calcular a importância da literatura de cordel na existência do nordestino. É muito comum as pessoas se reunirem em torno de alguém que saiba ler, para ouvir e até decorar os versos dos folhetos. É provável que grande parte das informações e conhecimentos chegue ao poço do interior através da literatura de cordel. A imigração nordestina espalhou o interesse por estes folhetos por todo o Brasil.
Além da parte literária, o cordel é interessante pelas figuras que apresenta, feitas em xilogravuras, mostrando toda a ingenuidade da arte popular. Aparecem nas gravuras: monstros, o diabo e os elementos que rodeiam os artesãos do cajá, madeira mole que facilita a execução das figuras. São eles os cantadores, vaqueiros, bois, aves e animais diversos. Surgem também figuras humanas, geralmente relacionadas com o assunto dos folhetos.
O cordel sobreviveu ao radinho de pilha e ao avanço da televisão no agreste. Esse jornal do sertão transmitido de pai a filho, de geração a geração, essa literatura popular fonte de inspiração de um Ariano Suassuna e um Guimarães Rosa, resistiu a tudo e a todos os progressos da tecnologia moderna. O cordel sobrevive até na São Paulo cosmopolita, em Osasco e no ABC, regiões onde existe a maior população nordestina do Brasil, depois do Nordeste.
A literatura de cordel, tanto pela sua parte poética, como pela arte da xilogravura, constitui uma das mais interessantes páginas do folclore brasileiro.
10 - Outras formas
Frases feitas
São frases comumente usadas quando se conversa e que se ajustam perfeitamente ao assunto e em poucas palavras exprimem um significado muito vasto. Ex.: Chover no molhado; Entre a cruz e a caldeirinha; Ficar de água na boca; Botar no chinelo; Quem não chora não mama, etc. Entre as frases feitas pode-se destacar as de satisfação e amabilidade, como: Boas Festas!, Felicidades!, Deus te guie! E também as pragas, como: Vá pro inferno!, Raios te partam! E os xingamentos, muitas vezes com palavras de baixo calão.
Apotegma
É uma estorieta moral bem resumida: Nada receie, disse o galo à minhoca, e engoliu-a; Estão verdes, disse a raposa, ao perceber que não poderia alcançar as uvas. A galinha de uma perna só foi ciscar... caiu.
Réplicas
São respostas de caráter variado, face à argumentação de outrem:
Espera – R: Quem espera desespera;
Estou com fome – R: Vai à rua, mata um homem e come;
Que há de novo? – R: Muita galinha e pouco ovo.
Disparates
São indagações que envolvem uma comparação absurda, evidenciando a falta de nexo entre o assunto em tela: O que tem o urubu a ver com o luto da Maria? O que tem a ver a água do joelho com a seca do Ceará? O que tem a ver o Judas com a alma dos pobres?
Ditados
São dizeres ou sentenças breves, geralmente de conteúdo moral, que nascem da experiência do homem em contato com o mundo que o cerca. São muito usados pelas pessoas mais velhas quando estão conversando.
É o provérbio folclórico:
Aquilo são lágrimas de rato em enterro de gato;
Jacaré quando tem fome até barro come;
Melhor é perder um pão que toda a fornada;
Pobre quando mete a mão no bolso tira só os cinco dedos;
Pata de galinha não esmaga pinto, etc.
Lemas de pára-choque
São frases curtas, de tom satírico, religioso, lírico e humorístico, escritas nos pára-choques dos caminhões. Assim o “irmão de estrada” vai levando sua filosofia por todo o Brasil:
Montado na morte à procura da sorte;
Feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão;
O homem nasce, cresce, fica bobo e casa;
O amor é cego, o vizinho não;
Sogra não é parente, é castigo, etc.
Pregão
É a forma de linguagem com a qual os trabalhadores anunciam sua mercadoria. Pode ser também cantado:
Aproveita minha gente
Aproveita minha gente
Aproveita e não demora
A laranja ta acabando
O caminhão vai-se embora.
ou
A Bahia é boa terra
ou
A Bahia é boa terra
Ela lá e eu aqui
Quem quisé comê cocada
Não vá lá, que tem aqui
Fraseado de botequim
Também são muito interessantes. Antigamente as fórmulas de não vender fiado eram pintados à mão nos botecos e nas casas comerciais. Hoje elas geralmente são impressas e colocadas em lugar visível ao freguês:
Fiado só se faz a um bom amigo e um bom amigo nunca pede fiado.
Fiado só a maiores de 100 anos acompanhados de seus avós.
O fiado já morreu
Com o dono foi enterrado
Quem quiser beber cachaça
É só no dinheiro contado
ou
Se vem por bem, entre
Esta casa é sua
Mas se pedir fiado
Não entre, fique na rua.
Epitáfios
São frases, dísticos, quadrinhas e outros versos, inscritos nas pedras ou paredes dos túmulos. Falam de amor e revolta, de saudade e esperança, de consolo ou desalento:
Passamos a vida juntos
Viveste como eu vivi
E hoje que somos defuntos
A morte nos une aqui.
ou
Adeus mundo de ilusão
Te deixei na flor da idade
Levo para o céu a esperança
Na terra deixo saudade
Fórmula de terminar estórias
São fórmulas especiais que a linguagem folclórica usa para terminar estórias ou casos e são de grande voga no interior, após as horripilantes narrativas de assombrações ou as delicadas lendas, tão ao gosto do caboclo mineiro. Muitas vezes elas são romanceadas pelo contador de estórias, que se coloca na cena dizendo:
“Estive lá na festa e vinha trazendo uns doces para vocês, mas, ao atravessar a ponte, tropecei e os doces caíram no rio...”
Entrou pela porta
Saiu pela janela
Quem gostou
Não se esqueça dela.
ou
Acabou a estória
Morreu a vitória
Entrou por uma porta
Saiu por outra
Quem quiser
Que conte outra.
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