sexta-feira, 1 de maio de 2009

Artes folclóricas - parte III




No Teatro:





Forma teatral de enredo popular, com bailados e cantos, tratando de assunto religioso ou profano, representado no ciclo das festas do Natal (dezembro-janeiro). Lapinhas, pastoris, fandango ou marujada, chegança ou chegança de mouros, bumba-meu-boi, boi calemba, boi de reis, congada ou congos, etc. Desde o século XVI os padres jesuítas usaram o auto religioso, aproveitando também figuras clássicas e entidades indígenas, como poderoso elemento de catequese. As crianças declamavam, dançavam, cantavam, ao som de pequenos conjuntos orquestrais, sempre com intenção apologética. O Gênero popularizou-se. Para ele convergiram as danças dramáticas, algumas realizadas à porta ou adros das igrejas em Portugal, bailados com espadas, desfiles e apresentações corporativas, que participavam da procissão de Corpus Christi, bailados infantis, rondas, etc. As origens não idênticas nem os estudiosos aceitam as hipóteses ou deduções oferecidas. Dos autos populares brasileiros o mais nacional, como produção, é o bumba-meu-boi, resumo de reisados e romances sertanejos do Nordeste, diferenciados e amalgamados, com modificações locais, pela presença de outros personagens no elenco. Outros autos vieram de Portugal, com alterações como a chegança de cristãos e mouros. Outros foram formados com elementos portugueses, música, versos, assuntos, mas construídos e articulados em todas as suas peças no Brasil, como o fandango ou marujada. A origem erudita ligar-se-á, quanto aos autos de enredo religioso, aos miracles e mystères, estes saídos da liturgia das festas do Natal e Páscoa, e aqueles dos cânticos em louvor dos santos, materializações de cenas de suas vidas, populares desde o séc. XII na França, Inglaterra, Itália, Alemanha, etc. Em Portugal, os autos tiveram forma poética, sete sílabas (na contagem atual, octossilábica antigamente), redondilha, quintilha, com influência castelhana quase decisiva. O vocabulário, pura e rudemente plebeu, encantava o auditório e, mesmo com alguma polidez, Gil Vicente usava linguagem franca e sacudida. Terminava por uma dança simples, a chacota, e as árias ou cânticos se diziam vilancetes, de motivos religiosos da Natividade. Eram representados nas igrejas, adros ou mesmo no interior, nos serões da corte real, aguardando a missa do galo ou da meia-noite, Del-Rei Dom Manuel até D. Sebastião, quando o Santo Ofício tornou o ambiente irrespirável para o livre auto, com suas liberdades populares, que eternizaram a glória de Gil Vicente.


No Brasil as mais antigas menções informam que os autos eram cantados à porta das igrejas, em louvor de Nossa Senhora do Rosário (quando dirigidos por escravos ou libertos), o orago, ou na matriz. Depois levavam o enredo, com as danças e cantos, nas residências de amigos ou na praça pública, num tablado. Alguns autos reduziram-se a um puro bailado, sem assunto figurado, e se fixaram no carnaval, como o maracatu pernambucano, que não parece ter sido auto. Do perdido destino de festa votiva, reminiscência pura da coroação dos reis do Congo, o maracatu, mesmo carnavalesco, conserva a tradição de ir até uma igreja fazer reverência, antes de meter-se no frevo dos três dias do deus Momo.







O envio das embaixadas, imemoriais e universais, devia constituir centro de interesse para o folclore, como determinante de festas populares, exibição das curiosidades típicas, desfile de todos os orgulhos locais. A narrativa das embaixadas históricas é documento vivo para o folclore. Os negros africanos, decorrentemente, conheceram e usaram, até abusaram das embaixadas, com o aparato negro, impressionador e sem fim. No séc. XVIII mandaram os soberanos negros embaixadas ao Brasil (1750 e 1795), esta em nome do Rei Dagomé. Eram dois embaixadores, um faleceu na Bahia e o outro regressou, com dois padres, com o intuito de converter ao catolicismo o real amo. Em 1824 o Rei do Bari enviou um embaixador para reconhecer a independência do Brasil. O conde de Nassau recebera, na primeira metade do séc. XVII, embaixadas africanas, com representações, danças, todos os elementos protocolares da época.
A embaixada continua vivendo nos autos tradicionais de origem negra ou predominando nos elementos negros que a conservam. Congos ou Congada têm o maior centro de interesse no assunto da embaixada. Não deve esse nome ser usado como sinônimo de um auto ou de uma dança dramática. A embaixada é a parte inicial ou central do auto, um dos temas característicos, constituindo o recado ou a mensagem existente em certos autos de Portugal. É uma divisão de certos autos (congadas, cristãos e mouros) e não o título que possa abranger toda a encenação. “A embaixada destina-se a anunciar a ordem da realização do espetáculo e a convidar o público a assistir. Constituem-na três ou quatro homens, trajando à antiga, calção e meia, sapato, capa, chapéu de dois bicos com plumas, espadim, mais ou menos o trajo do fidalgo do séc. XVII, a que o povo chama vestido de príncipe. Os embaixadores, montados a cavalo, acompanhados de outro cavaleiro menos luxuosamente vestido, o recado, pelas 10 ou 11 horas do dia do espetáculo dirigem-se à porta da igreja paroquial da freguesia, onde ele se realiza, a saudar o patrono ou orago e o santo festejado nesse dia”. (Luís da Silva Ribeiro, Algumas Palavras Sobre o Vilão do Teatro Popular da Ilha de São Miguel, 4, Angra do Heroísmo, 1945). Esse processo lusitano, originado nos bandos para a proclamação, ilustra a primeira fase do auto, ainda vivo e contemporâneo no Brasil.




Auto popular brasileiro do ciclo do Natal. O mesmo que Cristãos-e-mouros.
A chegança é representada como cenas marítimas, culminando pela abordagem dos mouros, que são vencidos e batizados. Os episódios mais curiosos são a descoberta do contrabando dos guardas-marinha, as lutas e brigas entre oficiais, a tempestade, as canções líricas, etc. Convergem abundantemente quadrinhas populares. Na Paraíba a chegança denomina-se Barca. A chegança é relativamente recente no Rio Grande do Norte. Sua primeira representação se realizou no Teatro Carlos Gomes, Natal, na noite de 18 de dezembro de 1926 e foi posteriormente encenada no Bairro das Rocas. Sua popularidade data de 1926. Do teatro passou à rua. Jamais possui a tradicionalidade do fandango e do bumba-meu-boi. Na chegança alagoana não há figuras do Ração e do Vassoura nem dos dois guardas-marinha. O capelão responde pelas despesas da comicidade. A orquestra é composta de instrumentos de percussão, pandeiros (em Maceió), caixa e pequeno bombo (Natal). Em Alagoas apresentam também cheganças unicamente com elementos femininos.
Em Portugal era dança no séc. XVIII, proibida por D. João V em maio de 1745, sob pena de prisão no Aljube e no Tronco. Era extremamente lasciva e sensual, mas se tornara popularíssima e o povo cantava: “Já não se dançam cheganças / Que não quer o nosso rei, / Porque lhe diz Frei Gaspar / Que é coisa contra a lei”. (Júlio Dantas, O Amor em Portugal no Século XVIII, 161, Porto, 1917). O Frei Gaspar citado é Frei Gaspar da Encarnação, franciscano, amigo do rei, ex-reitor da Universidade. Era dança de par solto, “ancas contra ancas, peneirando-se, coxas contra coxas”. Como sucedeu como fandango, a chegança no Brasil se transformou em auto. Guilherme Melo divide em chegança dos marujos, e chegança de mouros, ou chegança propriamente dita.






Congadas, Congados, Congos
Autos populares brasileiros, de motivação africana, representada no Norte, Centro e Sul do país. Os elementos de formação foram:
a) Coroação dos Reis do Congo;


b) Préstitos e embaixadas;


c) Reminiscência de bailados guerreiros, documentativos de lutas, e a reminiscência da Rainha Ginga, defensora da autonomia do seu reinado contra os portugueses, batendo-se constantemente com os sobados vizinhos, inclusive o de Cariongo, circunscrição de Luanda.


Nos congos do Rio Grande do Norte, o rei local é Henrique, rei cariongo, transformado em rei de congo, ou rei congo, noutras paragens. Especificamente, como vemos e lemos no Brasil, nunca esses autos existiram no território africano. É trabalho da escravaria já nacional com material negro, tal qual ocorre com o fandango, dança na Espanha e Portugal e auto no Brasil, ao derredor da xácara da “Nau Catarineta”.






Luta simulada entre Cristãos e Mouros, representada por ocasião de festas religiosas ou acontecimento social de relevo. No Brasil eram vistas a cavalo as duas alas inimigas, como Saint-Hilaire assistiu em Minas Gerais, ou de pé, armados os castelos à beira-mar, como Henry Koster presenciou na ilha de Itamaracá. Em Portugal há menção desde o séc. XV, com incontáveis variantes, aparecendo as figuras de Carlos Magno, Oliveiros, Ferrabrás, o Almirante Balão, a princesa moura Floripes, etc. Mouriscada em Portugal. A velha mourisca portuguesa, como Bluteau registrou, não a tivemos no Brasil. “Compunha-se de muitos moços vestidos à mourisca, com seus broqueis e varas a modos de lanças, com o seu rei de alfanje na mão, e este dando o sinal se começava a travar, ao som do tambor, uma espécie de batalha”. Os mouros só intervêm no Brasil para enfrentar e perder ante os cristãos. Essa mourisca vinha das obrigações devidas pelos mouros forros em ocasião de festa e concorria em todas as solenidades, como se lê na Jornada de Nicolau Lanckmann, representante de Frederico III, nas núpcias com Dona Leonor, irmã de D. Afonso V de Portugal. (Monarquia Lusitana, tom. 6, fol. 16, col. ; Luciano Cordeiro, Uma Sobrinha do Infante, Lisboa, 1894).
No Brasil os Cristãos-e-Mouros conservam o aspecto cavalheiresco de justa leal, findando pela rendição e conversão dos mouros. Quando a chegança, onde os mouros participam, é tipicamente um assunto naval, o Cristãos-e-Mouros é assunto de cavalaria, com volteios, floreado de lanças, interpelações e diálogos em linguagem arrogante belicosa. Martius assistiu à cavalgata luxuosa no Tijuco, comemorando a aclamação de D. João VI. Cristãos e mouros vestiam azul e vermelho, bordados a ouro, e fizeram um lindo jogo de agilidade, com rondas e giros fidalgos, antes da batalha, e em Ilhéus viu o desfile com embate subseqüente. Saint-Hilaire descreve identicamente. Na inauguração da cidade de Goiânia (1942), Renato Almeida estudou o baile eqüestre, de cristãos e mouros vestidos a caráter, em batalha sob o esquema das velhas quadrilhas de cavaleiros. Não havia cantos e música, como aliás não há nessa cavalgata. Esses torneios existem secularmente na Península, desde a expulsão dos árabes. A cavalgata de Cristãos e Mouros ou o auto, com episódios de bordo, são ainda representados no Brasil, especialmente em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará (neste figurando como cena do “Fandango”), Goiás, etc.




Mamulengo é uma espécie de divertimento popular que consiste em representações dramáticas, por meio de bonecos, em um pequeno palco ligeiramente elevado. Por detrás do pano escondem-se uma ou duas pessoas adestradas, fazendo com que os bonecos se exibam com movimento e fala.
A presença dos fantoches é assinalada desde a mais remota Antigüidade. Alguns estudiosos afirmam tenham se originado na Índia, outros asseguram serem oriundos do Egito, onde foram encontrados bonecos de ouro, marfim e barro. O certo é que os fantoches freqüentavam as feiras da Antiga Grécia e de lá passaram para Roma. Da Itália, na Idade Média, os títeres caminharam pelas mãos de artistas anônimos para vários países da Europa, fazendo a alegria das crianças e também dos adultos. Naquela época a Igreja valeu-se do teatro de marionetes para a difusão do espírito religioso, visando atrair a atenção dos fiéis de maneira direta e objetiva, tendo esta forma de espetáculo adquirido também o nome de “Presépio”, no qual figurava o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo. Deve ter sido sob esta forma que a representação entrou no Brasil.
Durante muitos anos, tanto na Europa quanto em nosso país, os fantoches trabalharam nas cenas religiosas para ensinar a história bíblica, e pouco a pouco é que se deu a sua secularização, isto é, foram neles introduzidos assuntos profanos, principalmente aqueles que provocam a hilaridade.
Os fantoches são feitos de madeira, metal, papel, palha, barro, etc. São vestidos a caráter. Geralmente cada boneco tem o seu nome e a sua personalidade. Em todas as representações, nunca saem de uma determinada “linha de conduta”. Assim o chorão, o briguento, o valente, o bondoso, sempre se apresentam com seus predicados, pelos quais se tornam conhecidos. Além desses personagens humanos, há também os bichos, destacando-se entre nós o brasileiríssimo jacaré.
Com o passar do tempo os bonecos foram adquirindo caráter diferente, graças à maneira de serem manejados pelos artistas, assim é que hoje podemos classificá-los em três grupos distintos;



a) – os de varinha;


b) – os que são movimentados por cordinhas (marionetes);


c) – os “guignol”, isto é, aqueles que são movimentados pela mão do artista, que é introduzida dentro do fantoche: o polegar vai a um dos braços, o indicador no orifício da cabeça e o médio faz o movimento do outro braço. A voz é de quem o maneja.O títere chegou ao Brasil em dois pontos diferentes e com um espaço de século e meio.




Primeiramente apareceu em Pernambuco, talvez trazidos pelos holandeses, pois naquela época estava em grande voga na Holanda, sob o nome de “Jan Pickel Herringe”. Quanto ao nome mamulengo, não se sabe ao certo a origem, supondo uns que derive de “Mão Molenga”. É também conhecido como “Brincadeira de Molengo”. Os artistas pernambucanos de fantoches mais conhecidos foram o Dr. Babu, que exerceu enorme influência sobre os titeiristas que vieram depois, pois seus espetáculos eram, na maior parte, improvisados. O sucessor do Dr. Babu chamava-se “Cheiroso”, pelo fato de fabricar “cheiros”, essências baratas extraídas de flores e metidas em frasquinhos.
No Rio Grande do Sul os alemães trouxeram o “Kasperletheater”, que se naturalizou brasileiro sob o nome de “Gaspar”, para contar lendas brasileiras, como a do Negrinho do Pastoreio.
O teatro de fantoche é de grande valor educativo, pois é distração sadia, que dá grande alegria às crianças, por isso é um dos meios mais elevados para educar a infância. É muito usado em várias escolas, onde representam temas brasileiros e instrutivos. Recentemente a televisão vem divulgando o teatro de fantoches, acionados muitas vezes por ventríloquos. Em São Paulo e no Rio de Janeiro a criançada conhece o Mamulengo pelo nome pitoresco de “João Minhoca”.


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