Peter O'Sagae
Para quem sabe ler fora dos livros, sabe bem que na palma da mão começa o mundo. Também deve saber que todas as coisas que imaginamos, criamos em pensamento, podem tomar sua própria forma quando trabalhadas com as mãos. A mão que toca o barro, o barro que toca o homem, o homem que toca o tempo, o tempo que nos toca sempre... pois compreendemos melhor o mundo que nos cerca quando temos a memória cheia de palavras e canções, a calma mensagem do tempo maior que o tempo dá...
É essa a primeira inspiração que vêm à cabeça ao pensar no mundo do folclore. Um folclore que é sempre vivo quando tocado corajosamente por essa gente que gosta de ensinar, enfim, todos nós professores.
Mas não penso, nem consigo imaginar, professores de almas vazias... ou será que estou enganado?
O mês de agosto despontou, nada fraco, pulou o buraco que, mesmo fundo, não engoliu o mundo... no entanto, uma dúvida sempre vem cutucar meus pensamentos: por que somente um mês para o folclore, quando a ciência do povo é o próprio quotidiano, o tempo todo é e não pára? Por que forçar as vistas em pequenos livros quando o folclore está fora?
Olhe para sua rua... que vê? Nada vê? Sim, talvez eu esteja me enganando...
Vamos voltar para as mãos, as suas mãos. Conte os dedos... dê nome a eles: Mindinho, seu Vizinho, Pai-de-Todos, Fura-Bolos, Mata-Piolhos. Quem foi que lhe ensinou isso? Um livro, o jornal ou a televisão? Um velho, seu pai, seu avô? Sua avó, sua mãe, uma velha contadora de estórias, petas e lorotas? Pomponê petapetrim petaperruche... era assim que contávamos os amigos, as outras crianças lá da rua, uma ladeira talvez. E de mão em mão, abriu-se ciranda, um círculo único. Mas tudo isso já vai longe, não é mesmo? Ficou para atrás do tempo, a roda escondida das coisas que hoje temos...
Sim, parece triste, parece verdade, que o folclore esteja empoeirado, um treco à troça, um troço às traças e só tem direito a um pouco de atenção quando chega agosto. Por que assim e não assado, carne seca com ensopado?
Até quando o seguinte: dezenove não são vinte? Pra quê sempre será tudo, tão caquético e carrancudo? Talvez tenha chegado o momento de descer a ladeira da saudade e ver a memória como fantasma rondando, de noite e de dia, as pessoas numa praça...
Feche os olhos e saiba aceitar o convite, ouça a canção, tenha as mãos abertas para a possibilidade e a poesia das vozes do tempo...
Na mão direita, uma roseira começa a florescer e suas pétalas (imagine você!) são páginas de uma aventura invisível que começa bem aqui, onde você está. Bem-me-quer o folclore fora dos livros, mal-me-quer o folclore dentro dos livros. Este é o jogo de descobrir, de saber ler mais-que-entrelinhas, ler entre a vida de um sujeito e o objeto que um livro é. Molha o dedo na língua, passa o dedo de uma página a outra e dê vida à leitura.
Cante quando for necessário. Brinque pois é preciso. E já que (jaca, jacaranda) parece impossível brincar pelas ruas como costumávamos fazer "antigamente", não se engane e entre sem bater pela primeira página que lhe ofereça um caminho. De encontro à memória. Tome a fruta no sumo, miolo melado. Tome a madeira no lenho ou linha, construa uma ciranda. Afinal, o mundo ali está. Na palma de sua mão.
Resenha de Peter O'Sagae originalmente publicada no Balainho - Boletim de Literatura Infantil e Juvenil nº 01(São José SC, agosto de 1999).
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